16 de junho de 2025

Habilidades para seu Aventureiro Sem Nome

Por design, o Nível é tudo de que um Aventureiro Sem Nome precisa para expressar seu valor, sua competência nessa perigosa profissão que escolheu: 1 corresponde àquele guarda destemido ou protetor da vila, algo diferenciado das massas; 5 representa um domínio do corpo e da mente próprio dos grandes heróis (pense em Aquiles, Artur... ou Conan e Aragorn).

Ainda assim, há indivíduos que se destacam por características específicas. Com isso em mente, o Mestre pode permitir que o personagem tenha uma habilidade, um atributo superior, algo de que outros se lembrarão quando o aventureiro for mencionado.

Uma habilidade aumenta o Nível em +1 para testes em que for aplicável, ressaltando que a perícia em combate jamais é alterada. Algumas habilidades conferem benefícios adicionais.

Você pode escolher uma dentre as abaixo descritas, ou rolar 1d6:

1  Força
2  Agilidade
3  Resistência
4  Sabedoria
5  Carisma
6  escolha duas!

Força, além de ser útil para façanhas como forçar portas e dobrar barras, concede +1 para o dano causado em combate corpo a corpo.

Agilidade abrange acrobacias, escaladas e ações furtivas, destacando que geralmente o uso de armaduras impossibilita essas atividades.

Resistência não só ajuda contra adversidades como feitiços, venenos e doenças, mas também garante Pontos de Vida máximos no Nível 1 (personagens jogadores começam com 12 PVs).

Sabedoria está ligada à percepção e ao conhecimento; personagens sábios são mais atentos a detalhes, inclusive às intenções dos outros, e têm mais facilidade para recordar fatos relevantes. Note que o jogador ainda deve se empenhar em elaborar planos e soluções diante de obstáculos e perigos.

Carisma é a qualidade apresentada por líderes e aqueles que desejam influenciar os outros (persuadindo-os, intimidando-os etc.), ressaltando que cabe ao jogador escolher a abordagem e as palavras do personagem. Aventureiros carismáticos são mais afortunados, ganhando 1 ponto de Sorte.

Repare que as habilidades são uma boa forma de representar semi-humanos, com restrições caso a caso: elfos substituem força por agilidade; anões trocam carisma por resistência etc.

Por fim, outras habilidades podem ser criadas, sempre com a aprovação do Mestre.

9 de junho de 2025

d66 feitiços inspirados para Aventureiro Sem Nome

Já é tempo de trazer material adicional para Aventureiro Sem Nome; começamos por uma lista completa de feitiços com nomes evocativos, alguns deles velhos conhecidos e outros com um pé no gênero de Espada & Feitiçaria.

O Mestre pode rolar d66 para determinar que encantamento está contido em um pergaminho ou artefato, ou é conjurado por um inimigo -- e, de fato, alguns feitiços são bem vilanescos!

Além disso, agrada-me a ideia de o jogador deixar para o acaso que tipo de feitiço seu personagem aprendeu; isso soa bem para tipos audaciosos que tomam o que veem pela frente (talvez um ladrão que teve a sorte de roubar um pergaminho em um de seus primeiros trabalhos, ou um aprendiz que herdou o grimório de seu falecido mestre mas não sabe muito bem por onde começar a desvendá-lo).

Lembre-se de que, por padrão, feitiços têm alcance de 10 metros e duram 1d6 minutos; seus efeitos não se acumulam, mesmo que provenham de encantamentos e artefatos distintos. Alguns deles têm componentes materiais necessários para sua conjuração e aqueles indicados com [R] podem ser resistidos pelo alvo com um teste.

11 A Adaga do Assassino
é lançada sobre um objeto (geralmente uma arma), que atacará o alvo escolhido pelo conjurador (usando o seu Nível) pela duração padrão ou até que seja detido de algum modo.
12 O Ar Entorpecido cessa todo o som produzido em uma área de 10 metros de diâmetro (inclusive impedindo que outros feitiços sejam conjurados), ou faz com que o som produzido nessa área não seja ouvido do lado de fora; também pode ser lançado sobre um alvo [R].
13 As Areias de Morfeu
 deixa inconsciente por uma hora [R] um alvo sobre o qual o conjurador lance um punhado de areia; o feitiço expira antes do tempo se o alvo for insistentemente acordado ou sofrer dano.
14 A Bênção de Set transforma um objeto de madeira, como uma flecha ou um cajado, em uma serpente, que morde quem a segurar (1d6 de dano automático) antes de evadir-se; pode ser conjurada de imediato, em resposta a um arqueiro prestes a disparar, por exemplo.
15 O Caminhar na Bruma torna o alvo invisível pela duração padrão ou até realizar uma ação brusca, como um ataque; nesse estado é possível enxergar a essência sobrenatural das coisas e seres mágicos normalmente imperceptíveis, embora com o risco de se chamar sua atenção. Uma pessoa sobre a qual este feitiço seja constantemente lançado poderá ficar obcecada com o mundo etéreo, alheando-se da realidade material.
16 A Celeridade do Cervo dobra a distância que o alvo é capaz de percorrer em um turno e dá um bônus de +1 para evitar ataques enquanto corre.

21 O Chamado de Ifrite comanda a chama de uma tocha para acertar um alvo automaticamente, ou converte uma fogueira em uma parede de até 3 metros de comprimento, neste caso pela duração padrão. Seja como for, o fogo causa 1d6 pontos de dano.
22 O Convite da Nereida faz nascerem guelras no alvo, permitindo-lhe respirar embaixo d'água, bem como resistir à pressão em águas profundas; dura 12 horas, ou até que o alvo respire ar.
23 A Cura de Ondina é lançada sobre um pouco de água de uma fonte natural; se ingerida em até uma hora, restaura 2d6 PVs.
24 A Dança da Sílfide permite ao alvo levitar livremente, com a mesma velocidade que teria em terra.
25 O Descanso Interrompido é lançado quando o conjurador toca os restos mortais de uma pessoa (ou ao menos seu crânio), cujo espírito responderá breve e honestamente, embora por vezes de forma enigmática, a uma pergunta sobre algo que soube em vida. Depois disso, o espírito não tornará a atender ao mesmo conjurador.
26 O Emissário das Profundezas
 é lançado quando o conjurador joga um pouco de seu sangue em uma fonte de água, convocando um pequeno elemental da água que realizará uma tarefa dentro da capacidade humana, sendo, no entanto, capaz de perceber efeitos e seres mágicos (como se tivesse Olho Arcano); ele também pode ser ordenado a atacar um alvo, causando automaticamente 1d6 pontos de dano para então desaparecer. 

31 O Encanto da Dríade faz com que o alvo trate o conjurador como um amigo próximo [R]; qualquer ação hostil do conjurador ou seus aliados contra o alvo quebra o feitiço.
32 O Enigma do Aço
 renova a força de um combatente, restaurando 1d6 PVs e concedendo +1 em seus ataques enquanto estiver com sua arma em punho e lutando (observada a duração).
33 A Esperança na Escuridão
 ilumina um objeto como uma tocha por uma hora, ou emite um clarão que afeta seres próximos [R], impedindo-os de agir por um turno e impondo -1 a criaturas do submundo por um minuto. Cancela O Manto Inexpugnável.
34 A Face Roubada é lançado ao se tocar o corpo de uma pessoa morta recentemente, tomando-se sua aparência por um dia, com uma pequena chance (1-2 em d6) de apreender uma memória relevante. Sucessivas conjurações trazem o risco de dissociar-se da própria identidade.
35 A Fênix na Espada, lançado sobre o punho de uma espada quebrada em batalha, a envolve em chamas cintilantes, passando a causar dano de 1d6+1, ou 2d6 contra mortos-vivos, espíritos e criaturas invocadas magicamente, ignorando qualquer proteção que o alvo tenha. O punho é desintegrado ao final da duração.
36 A Força de Anteu dobra o tamanho do alvo, dotando-o de poder físico imenso (+1 no dano), desde que ele se mantenha no mesmo lugar.

41 O Lamento da Banshee, lançado ao se espalhar uma mecha de cabelo de uma jovem morta, emite um grito melancólico; criaturas dentro do alcance que o ouvirem perderão toda a vontade de lutar ou realizar qualquer outra ação, a menos que sejam atacadas [R].
42 O Manto Inexpugnável cobre uma área de 10 metros de diâmetro com escuridão total, na qual apenas o conjurador pode enxergar, ou pode cegar um alvo [R], sempre observada a duração padrão.
43 A Multitude Efêmera exige partir um espelho em pedaços ao atirá-lo ao chão, fazendo surgir cinco cópias ilusórias do conjurador, que permanecem próximas a este, produzindo sons e movimentando-se com certa independência. Quando o conjurador é atacado, role 1d6: com 1-5, nenhum dano é causado; 6 significa que o conjurador é atingido e o feitiço é quebrado. Ataques que possam acertar o conjurador e as imagens ao mesmo tempo (como uma saraivada de flechas ou o sopro de um dragão) também cancelam os efeitos.
44 O Olhar da Górgona é conjurada enquanto se leva ao rosto uma máscara de pedra, reproduzindo o lendário poder de petrificar um alvo de Nível igual ou inferior [R]. O processo se inicia pelos pés, durando três turnos, e em cada um o alvo tem direito a um teste; ao passar em um deles, o alvo liberta-se de imediato.
45 O Olho Arcano faz com que um terceiro olho se abra na testa do conjurador, pelo qual se podem perceber feitiços em andamento e identificar artefatos mágicos dentro do alcance, bem como estimar seus poderes após uma breve análise. Permite ver através d'O Manto Inexpugnável e de ilusões mágicas.
46 O Passo nas Trevas permite ao conjurador adentrar uma sombra e reaparecer em outra, desde que ambas sejam ao menos do seu tamanho, uma a até 10 metros da outra, e possa ver o destino. 

51 O Pavor Rastejante é lançado enquanto o conjurador amassa um punhado de asas de barata ou coisas igualmente desagradáveis; em poucos segundos a área dentro do alcance é tomada por inúmeros ratos, baratas, vermes ou similares. A horda é inofensiva, mas causa um profundo desespero em outros dentro da área, que tentarão sair dali como puderem [R]; criaturas do submundo, dentre outras, não são tão impressionáveis. Finda a duração, os bichos se vão tão rapidamente quanto vieram.
52 Quimeras e Sussurros cria imagens e sons, tendo como limites o tamanho de um urso e o volume de seu rugido. Alvos desconfiados podem perceber o truque [R]; imagens se desvanecem quando tocadas.
53 O Retorno ao Pó 
corrói um objeto do tamanho máximo de uma pessoa, inutilizando-o completamente (pode ser usado, por exemplo, em uma coluna, ameaçando a estrutura de uma construção), ou inflige 2d6 de dano a um alvo, inclusive construtos [R]. Alvos atingidos por este feitiço cujos PVs chegam a 0 são reduzidos a cinzas, deixando intactos apenas artefatos mágicos que tenham consigo.
54 A Ruína de Ninrode torna ininteligíveis as palavras e os gestos daqueles que o conjurador escolher, dentro do alcance padrão [R].
55 A Semeadura de Cadmo é lançado sobre uma ou mais presas de dragão atiradas ao solo, originando-se de cada uma delas um Esparto -- um esqueleto armado com espada e escudo, mais habilidoso que muitos guerreiros (Nível 2, dano 1d6, proteção 1, ou 4 contra armas afiadas). Eles são fieis ao conjurador e cumprirão qualquer comando até que sejam destruídos; sem tarefas para cumprir, permanecerão inertes, atacando somente para se defender.
56 A Sombra Rebelada é invocado quando o conjurador lança pó de enxofre sobre a sombra de um alvo de Nível igual ou inferior, fazendo com que ela se levante e adquira substância, determinada a matar seu dono; ela possui os mesmos Nível, PVs atuais e armamentos do alvo, mas não reproduz poderes ou itens mágicos. 

61 O Talento de Aracne conjura uma teia pegajosa sobre uma área de 3 metros de diâmetro; alvos presos na teia devem passar em dois testes de força, um por turno, até se soltarem.
62 A Trama Desfeita anula todos os efeitos mágicos a 10 metros do conjurador; artefatos têm seus poderes suprimidos até que saiam do alcance ou termine a duração.
63 Troca-pele transforma o conjurador em um animal, desde que tenha algo dele consigo (ex.: pele de urso, penas de um pássaro). Animais grandes causam dano +1; outros são pequenos demais para lutar, mas recebem +2 para evitar ataques e se esconder. Com o tempo, as transformações podem tornar o conjurador mais arisco e avesso aos modos da civilização.
64 O Trunfo de Farrigo deve ser conjurado no exato momento em que um dragão lança seu sopro mortal, fazendo com que ele se volte contra o próprio monstro! No entanto, é preciso que o conjurador passe em um teste -- poucos têm a frieza para encarar tamanho perigo de frente.
65 A Verdade Revelada exige um cristal de quartzo para sua evocação, permitindo ao conjurador detectar mentiras e perceber ilusões mágicas dentro do alcance padrão.
66 O Vigor Esvaído impõe ao alvo uma penalidade de -2 em todos os testes pela duração padrão [R].

13 de maio de 2025

Completando as quatro classes: Ladrões!

Guilda dos Ladrões de Porto Blacksand (por John Sibbick)

Já que trouxemos clérigos como uma opção para suas Aventuras Fantásticas, e fechando as quatro classes icônicas daquele outro jogo com masmorras e dragões (juntamente com feiticeiros e guerreiros, sendo estes os aventureiros padrão de FF), tratamos agora de LADRÕES.

Assim como nas minhas jogatinas antigas, a base para essa classe é o anti-herói que protagoniza Ladrão da Meia-Noite, com algumas alterações.

Pouco propensos a atos heroicos e combates pesados, ladrões recebem -1 na HABILIDADE inicial, mas compensam isso com um bônus de +2 ao Testar a Habilidade para proezas relacionadas a furtividade e destreza.

Além disso, para cada 2 pontos de HABILIDADE, ladrões possuem uma Habilidade Especial na qual se destacam, tendo sucesso automático em testes normais e recebendo +2 para testes difíceis (digamos, que seriam feitos por outros personagens com redutor de -2).

As Habilidades Especiais são as mesmas de Ladrão da Meia-Noite: ABRIR FECHADURAS, ANDAR EM SILÊNCIO, BATER CARTEIRAS, ESCALAR, ESCONDER-SE, PERCEPÇÃO e SINAIS SECRETOS. Outras podem ser adicionadas.

Um ladrão perde seus bônus e Habilidades Especiais ao usar armadura e escudo, ou quando carrega mais de 6 itens consigo (como acontece no livro-jogo citado, destacando que outros personagens normalmente podem levar cerca de 10 itens).

7 de maio de 2025

Poder da Fé -- clérigos em Fighting Fantasy

Atendendo ao chamado do blog Prismatic Wasteland, por ocasião do Conclave, venho resgatar algo daqueles loucos primeiros dias de RPG, em que aproveitávamos o recreio e outros momentos de ócio para jogar breves Aventuras Fantásticas, experimentando todo tipo de coisa que viesse à mente -- inclusive reproduzir as classes de AD&D.

CLÉRIGOS representam aquelas pouquíssimas pessoas verdadeiramente santas (à parte de outros sacerdotes iniciados em mistérios, capazes de lançar feitiços). Eles são criados como qualquer personagem de FF, mas com duas mudanças fundamentais:

  • Apesar de treinados com armas, não são tão experientes quanto outros aventureiros; por isso, sua HABILIDADE inicial é reduzida em 1 ponto;
  • Não existe acaso, apenas os desígnios dos deuses; sua SORTE é substituída por FÉ, também determinada por d6+6.

Clérigos devem Testar sua Fé em qualquer situação na qual teriam que pôr a SORTE à prova, inclusive para causar mais dano ou sofrer menos dano, mas também podem fazê-lo para realizar os seguintes Milagres:

  • Curar metade da ENERGIA de um alvo tocado, mas apenas fora de combate;
  • Afastar mortos-vivos que tenham HABILIDADE igual ou inferior à do clérigo, os quais farão o que puderem para fugir dele por 3d6 minutos, desde que não sejam atacados;
  • Obter outros efeitos, de acordo com os domínios de seu deus e o que o Mestre permitir.

Note que clérigos não-jogadores também possuem FÉ, mas a utilizam apenas para operar Milagres.

Cada vez que se Testar a Fé, tendo sucesso ou não, ela é diminuída em 1 ponto (mesmo os deuses mais benevolentes não apreciam ser constantemente importunados). Além disso, durante a aventura, situações que renovem a crença do clérigo ou a coloquem em dúvida podem alterar sua FÉ.

Naturalmente, um clérigo que se desviar dos caminhos de sua divindade perderá seus poderes; nesse caso, sua FÉ passará a ser SORTE, e esta será permanentemente reduzida em 1 ponto. Um desrespeito flagrante ao deus pode acarretar consequências ainda piores.

6 de maio de 2025

Arneson Gaming: como em 1972!

A mecânica de vantagem e desvantagem aplicadas a 2d6, abordada na última postagem, pode fornecer estrutura bastante para sustentar todo um jogo*, como prova Matt Jackson no excelente Arneson Gaming, disponível no itch.io -- inclusive em português!

Como outros minissistemas alinhados ao movimento FKR (Free Kriegspiel Revolution), sua inspiração vem dos lendários jogos empreendidos na aurora do RPG por Arneson, Wesely et al, trazendo o essencial para resolver situações incertas e dando total liberdade para jogadores e mestres (ou, melhor, juízes/árbitros).

Os personagens possuem alguns traços (livremente definidos pelo jogador, desde que sejam específicos) e começam com 4 Pontos de Vida (talvez mais, se algum traço permitir).

Um exemplo de personagem:

TARBA
Pirata - Vigoroso - Batedor - Trapaceiro - Hábil com facas
Várias facas, botas de qualidade (para não fazer barulho), documentos falsos, alguns trocados.
PVs □□□□□ (+1 por ser Vigoroso)

Testes são feitos com 2d6: quanto maior o valor obtido, maior o grau de sucesso, e vice-versa, com valores medianos levando a resultados mistos. O autor não estabelece o que seria mediano; entendo como 6-8. Traços úteis permitem rolar 3d6 e somar os dois maiores dados, mas também podem obrigar a rolar 3d6 e somar os dois menores. Certos equipamentos conferem +1 para rolagens, dentre outras possibilidades.

Havendo oposição, cada lado rola seu teste; em combate, a diferença entre os resultados é o dano. Como se vê, uma única rolagem ruim pode acabar com um personagem iniciante, mas aqueles que perseverarem ganharão novos traços e mais PVs (e, claro, tesouros).

Em se tratando de um microjogo, não há regras para magia, fichas de monstros, preços etc., mas é tarefa simples acrescentar esses elementos, até mesmo se aproveitando de outros jogos.


* Aproveitando a oportunidade, este blogueiro está prestes a terminar um jogo ultraleve baseado nessa mesma mecânica; agora é questão de encontrar as palavras certas para um texto sucinto e evocativo e formatar tudo. Em breve...!

15 de abril de 2025

Vantagem/desvantagem em 2d6

A 5ª Edição de Dungeons & Dragons popularizou a mecânica de vantagens e desvantagens (também conhecida como "dados bônus/de penalidade", ou "ganho/perda" no recém-lançado 3DeT Victory). Seu papel nesse sistema é fundamental para manter a "precisão limitada" (bounded accuracy), princípio de design consistente em manter um teto para a escalada de valores que surge à medida que entram em campo PCs e monstros de níveis mais e mais altos.

Mas, para além disso, sua maior, bem, vantagem é propiciar uma forma rápida de alterar as chances de sucesso do personagem de acordo com circunstâncias específicas. Com efeito, é possível substituir toda uma tabela de situações com os correspondentes modificadores pelo mero acréscimo de um dado para auxiliar ou prejudicar o personagem.

E é isso que torna essa mecânica ideal para sistemas simples como Fighting Fantasy (e o sistema da casa).

Para jogos que usam 2d6 nos testes, role 3d6 e some os dois maiores quando o personagem tiver vantagem; ou some os dois menores quando em desvantagem.

Vantagens e desvantagens só incidem em situações momentâneas. Modificadores "permanentes", como uma arma mágica que acrescenta +2 à Força de Ataque, são aplicados normalmente.

Especificamente em FF, note o seguinte: 

[1] Quando se rola com vantagem, a média obtida nos dados sobe de 7 para 9, enquanto com desvantagem desce para 5. Essa é uma forma eficaz de lidar com uma HABILIDADE alta, bastando aplicar desvantagens para tarefas mais árduas.

[2] Também considerando a alteração na média, vantagens/desvantagens são mais apropriadas para substituir modificadores por volta de +/-2.
Isso significa que certas situações que ensejam +/-1 podem ser ignoradas.
Para tarefas muito difíceis (digamos, com uma penalidade de -4 ou além), torna-se inviável Testar a Habilidade; talvez seja possível Testar a Sorte em alguns casos, com consequências graves para falhas.

[3] Golpes Poderosos tornam-se mais frequentes para combatentes com vantagem e muito mais raros quando estão em desvantagem.

(Título editado em 17/04/2025.)

12 de março de 2025

O arquétipo do Aventureiro Sem Nome

A Trilogia dos Dólares de Sergio Leone consagrou a figura do Estranho Sem Nome (interpretada por Clint Eastwood), por sua vez inspirada no Ronin Sem Nome (vivido por Toshiro Mifune em Yojimbo, de Akira Kurosawa). Ambos os protagonistas são anti-heróis enigmáticos, durões, incrivelmente habilidosos e moralmente ambíguos, de cujo passado nada se sabe. Poderíamos até traçar precedentes desse arquétipo nas histórias pulp (Conan fica anônimo até pontos adiantados de alguns contos).

E o que isso tem a ver com jogos de interpretação? Tudo.

Em sua origem, RPGs podiam ser considerados pouco mais que uma derivação dos wargames. Foram os entusiastas desses jogos de guerra que deram os primeiros passos para transmigrar a experiência de comandar exércitos para aquela de controlar uma simples unidade. Reduzia-se a escala de grandiosas batalhas para breves escaramuças; terrenos e fortificações de todo tipo davam lugar a ruínas desoladas e túneis opressivos.

Essa unidade de combate, que de maneira rudimentar poderia ser designada como um personagem, tinha objetivos bem claros: adquirir glória e riquezas, muitas vezes para financiar seu próprio exército (o retorno ao wargame era então o estágio final da campanha). Porém, mal tinha uma personalidade ou uma história desenvolvida, sendo na prática um alter ego do jogador, um mero veículo para exploração do cenário. Quando muito, tinha um nome.

Com o surgimento dos livros-jogos, essa noção é retomada. Salvo raras exceções, os heróis de Fighting Fantasy são indivíduos sem nome, história ou outro traço eminente além de sua espantosa capacidade de sobrevivência. Tudo isso contribui para nos sentirmos na pele deles e experimentarmos a tensão de cada decisão difícil e rolagem de dados; enfim, para uma maior imersão na jornada.

Repare como a citada ambiguidade moral também se faz presente em alguns títulos da série. O Feiticeiro da Montanha de Fogo é o exemplo mais evidente: não há menção de qualquer intuito que o protagonista tenha além de se apoderar do fabuloso tesouro; sequer está estabelecido que ele seja de fato um herói -- ao encontrar goblins torturando um anão, tem a opção de juntar-se a eles! E, a despeito das terríveis criaturas a serviço de Zagor, não há um plano maligno em andamento. Uma dungeon quintessencial, explorada por um aventureiro igualmente quintessencial.

Como relatei quando este blog teve início, minhas primeiras aventuras de RPG foram protagonizadas por esses mesmos arquétipos. Um histórico prévio era completamente dispensável; ele seria escrito a partir dos feitos realizados pelo herói. Sem uma personalidade mais elaborada, era a do próprio jogador que se manifestava nas ações e escolhas do personagem, embora algo fosse se revelando com o tempo. Pouco a pouco descobriríamos quem era esse Estranho.

Resgatar essa forma livre de jogar, característica da "velha escola" e natural para o jogador principiante, é a ideia por trás de Aventureiro Sem Nome.

25 de fevereiro de 2025

Escaramuças na escuridão

Em suas andanças por masmorras e complexos subterrâneos, cedo ou tarde os heróis terão que lutar em meio à completa escuridão. Pode ser que a única tocha acesa se apague na turbulência da situação ou, pior, um conjurador hostil lance um manto inexpugnável de trevas sobre o campo de batalha.

Note que raramente ambos os lados se enfrentarão às cegas, já que muitas das criaturas do submundo são providas de visão no escuro ou outros sentidos especiais. Mesmo em se tratando de escuridão mágica, o próprio mago que a invocou poderá enxergar normalmente.

Considerando que os sistemas em geral preveem algum tipo de penalidade ou desvantagem ao atacante incapaz de ver seu alvo e vice-versa, a solução apresentada nos casos em que um não vê o outro é a anulação mútua dessas penalidades/desvantagens. Na prática, isso resulta em testes normais -- uma contradição absurda, ao que parece.

Parte importante do trabalho do mestre/árbitro/narrador é justamente fazer adjudicações quando as regras não parecem fazer sentido em contextos específicos da aventura, ou buscar compreender esse sentido para melhor aplicá-las.

Um ponto fundamental a ser levado em conta é que, para efetivamente ser capaz de atacar um alvo no escuro, antes é necessário saber sua posição. Combatentes relativamente próximos (digamos, a menos de 10 metros um do outro) podem se orientar, em especial pelos sons, e eventualmente se engajar. Quanto à penalidade ao atacante compensar aquela imposta ao defensor, isso até faz sentido em uma luta corpo a corpo, principalmente se os lutadores estiverem engalfinhados.

Em contrapartida, para disparar um projétil ou arremessar uma arma, é muito mais difícil estimar onde o alvo está, o que por si torna praticamente impossível acertá-lo na maioria dos casos (o mesmo valendo para feitiços cujo alvo não possa ser visto). E, ainda que o ataque seja viável (por exemplo, se o alvo estiver em uma passagem estreita), penso que deverá prevalecer a penalidade ao atirador.

Uma sugestão, seja para combate corporal ou à distância, é que o ataque às cegas sempre falhe quando o resultado dos dados (sem considerar modificadores) for inferior à média (ex.: 6- para 2d6; 10- para d20). Em testes opostos, obtendo-se um total superior ao do oponente, mas com uma rolagem abaixo da média, nenhum dano é causado.

18 de fevereiro de 2025

O Forte do Machado (masmorra de um parágrafo)

No mês passado, o blog Nereus RPG explicou como criar masmorras de um parágrafo. Trata-se de uma fórmula muito útil para descrever rapidamente locais de interesse no cenário de campanha, preenchendo os seguintes itens:

[1. Descrição Geral] [2. Descrição Específica] [3. Entrada e Guardião] [4. Passagens e Perigos] [5. Aposento e Evento Principal] [6. Saídas e Revelações]

A descrição deve ser sucinta, apenas o bastante para suprir a aventura e talvez deixar caminhos abertos. Veja o exemplo abaixo:

O FORTE DO MACHADO foi construído sobre um monte rochoso em meio a um pântano, a cinco dias de viagem da cidadela bárbara de Kalesh. Reminiscente das malfadadas campanhas imperiais para ocupar a vastidão selvagem, estava abandonado até que cerca de vinte ORCS ocuparam-no. Uma trilha estreita leva ao portão, bem protegido; evitá-lo exige escalar a face mais lisa do monte até uma torre arruinada. Ultrapassado o pátio, corredores levam ao calabouço e aos alojamentos. Um deles pertence ao xamã da tribo e está magicamente selado -- nele espreita uma SOMBRA, invocada para proteger um misterioso orbe. Trata-se de um artefato de comunicação, pelo qual o xamã recebe ordens de XOTHGAR, vil feiticeiro que planeja uma investida contra essas terras.


Os personagens podem chegar ao forte após convocados para investigar a movimentação de orcs, ou por mero acaso, assim como podem já ter confrontado os Garras Vermelhas.

A partir das informações fornecidas, é relativamente simples acrescentar elementos e detalhes enquanto a incursão se desenrola (por exemplo, como quebrar o selo, ou se há prisioneiros ou tesouros).

Caso você ache úteis, seguem algumas estatísticas para Aventureiro Sem Nome:

  • ORCS: Nível 0, 1d3 PVs, dano 1d6 (lanças/machados)
  • Três ORCS GUERREIROS: Nível 1, 1d6 PVs, dano 1d6+1 (machados de guerra)
  • WARG: Nível 2, 2d6 PVs, dano 1d6+1 (mordida)
  • XAMÃ ORC: Nível 2, 2d6 PVs, dano 1d6 (punhal), feitiços (Cura, Escuridão, Fraqueza)
  • SOMBRA: Nível 2, 2d6 PVs, dano 1d6 (toque), proteção 2 contra armas comuns

13 de fevereiro de 2025

Apresentando: Aventureiro Sem Nome

Dos incontáveis retroclones de D&D que surgiram desde o início do movimento OSR (Old School Renaissance, ou Revival para muitos), Searchers of the Unknown é considerado um dos mais simples e divertidos. As regras foram reduzidas a uma única página; as estatísticas dos personagens, a um pequeno bloco, como o de qualquer criatura das primeiras edições de D&D. Os heróis são hábeis com armas, furtivos quando a situação exige e capazes de lançar feitiços contidos em pergaminhos.

Contudo, repare que esse aventureiro arquetípico, tão comum sobretudo nas histórias de Espada & Feitiçaria, é precisamente aquele que protagoniza quase todos os livros-jogos e aventuras de Fighting Fantasy! De fato, podemos tratar a HABILIDADE como o nível em D&D: quanto mais alto seu valor, maiores os desafios que o personagem é capaz de enfrentar.

E assim surgiu a ideia para o hack a seguir, combinando elementos desses jogos icônicos com uma proposta minimalista.

Com vocês, Aventureiro Sem Nome.

27 de janeiro de 2025

Surrealismo no RPG

Há poucos dias, David Lynch deixou este plano de existência. Artista completo, empenhou-se em traduzir para as telas os recantos mais obscuros de nossos pesadelos, escondidos sob o cândido véu do sonho americano e de vizinhanças tranquilas com cercas brancas.

Em meio à inevitável revisitação de sua obra, me vi pensando se e como é possível para o RPG capturar o surrealismo tão presente na obra de Lynch.

Inicialmente, podemos conceituar surrealismo como o revolucionário movimento cultural e artístico que almeja a livre expressão do inconsciente, superando a contradição entre sonho e realidade para reuni-los em uma "suprarrealidade" (daí o nome) e valendo-se especialmente de combinações de elementos de uma forma estranha e inesperada (tal qual em sonhos).

Aplicar temas próprios do surrealismo não é uma ideia inédita para jogos de interpretação: o mais célebre deles é Over the Edge, o autointitulado RPG de perigo surreal, que se passa na nação insular de Al Amarja, centro de todas as conspirações globais. As duas primeiras edições traziam com um sistema consagrado por sua simplicidade; a 3ª edição veio com um novo conjunto de regras, tão inspirado quanto o anterior.

Ainda que o RPG tenha como alguns de seus temas principais a fantasia e o horror, uma perspectiva "gamista" talvez seja o maior obstáculo para jogos surrealistas.

De fato, os jogadores costumam demandar um grau considerável de previsibilidade para que possam considerar justa uma aventura. Disso decorre que feitiços, criaturas fantásticas e fenômenos mágicos em geral estão exaustivamente descritos nos livros de regras. Todos iniciam uma crônica no Mundo das Trevas sabendo como operam vampiros, lobisomens e outros seres; o mesmo se diga em D&D, ou até mesmo em Call of Cthulhu, em que cada magia tem seus efeitos explicados e cada monstro vem com suas estatísticas.

Imprevisibilidade deve ser a palavra de ordem, não só no que diz respeito a fenômenos sobrenaturais, mas também quanto a outros elementos do cenário.

Nem tudo poderá ser explicado, da mesma forma que Lynch nunca se preocupou em explicar algo. O ponto de partida da história é bastante claro, mas não necessariamente o final. À medida que a realidade, aparentemente nítida e concreta, se esfacela diante dos olhos dos personagens, suas percepções tornam-se mais e mais subjetivas. NPCs, props e eventos podem não apresentar qualquer conexão com a trama. Esqueça a Arma de Chekhov, princípio tão utilizado por narradores, sobretudo em one-shots.

Quanto ao sistema, qualquer um pode ser utilizado, apesar de que regras minimalistas propiciarão melhor a liberdade necessária para o gênero.

Claro que conduzir uma campanha verdadeiramente surreal exige um grande esforço, tanto do narrador (maior que o habitual) quanto dos jogadores. É essencial que antes da primeira aventura os jogadores tenham uma conversa franca sobre conteúdos sensíveis. Para aqueles que não tiverem intimidade com o gênero, a recomendação óbvia é conhecer o trabalho de Lynch -- em especial Twin Peaks. E que seus cafés estejam sempre quentes e muito bons.